segunda-feira, 8 de março de 2021

23. A caixa de ferramenta

A lembrança tem seu encanto,

Por vezes, nos causa espanto,

Na infância era tudo diferente

Em casa pouca coisa tinha a gente


Para nossa pequena lida tinha 

Enxada, enxadeco e chibanca, 

Até uma velha campinadeira

Para o mato da roça campinar

 


Roçadeira,  facão, foice e machado,

Para tirar forragem e madeira

E o gado alimentar e o curral cercar

Um velho morão de pegar e vacinar


Na casa velha havia uma caixa de madeira

Cheia de traquitanas como pregos, 

Alicate, troques e martelo, suvela,

Serrote, pua e plana gostava de chafurdava


Então foi num ano pela tarde

 A uma escola fui pra lá levado

Todo mundo em fila estava sentado

Me deram um caderno e um lápis


Num quadro verda a professora 

Explicava que riscos eram sons

A - E - I - O - U   e A, B, C...

Vogais e alfabeto

Um caderno e um lápis


E a incompreensão e insubordinação

Tinha como punição um puxão 

De orelha... Ardia e queimava,

Acho que não ligava pois sempre repetia a ação


Ah lição complicada,

Do ABCD chegar a entender o mundo

Que paciência e perseverança,

Largar a infância e se abraçar a responsabilidade

De ler e entender o mundo pelas palavras


As ferramentas de casa eram muito mais simples,

Mas a coragem faz o guerreiro,

Aos trancos e barrancos passava de ano 

E ouvia um elogio e um livramento passar de ano,

Ouvia com prazer que ao menos era inteligente,


Ouvia dizer das aparências com Françuar 

Comparado até nas astúcias assim cultivava 

Minha inteligência pequeno era o mundo

E grande a imaginação...


E ouvi dizer que Dona Lenita era mais rígida,

Mais valente, então o medo me adestrou,

Tomei de primeira as lições, aprendi o que achava

E pontuava as escola, passei por média,


Entre ditongos e tritongos... a Bahia e o Paraguai,

Algo era uma luz e deixara de ser cruz,

Na Serrinha Grande foi a vez de Conceição,


Professora do sertão

Que chegava a serrinha,

E rezava toda manhã,

Agora mais liberdade,

Agora mais responsabilidade,


Três litros de leite e a sala de aula,

Na vergonha vendia aqueles litros,

E o dinheiro a mamãe dava,


Na escola sempre passava...

Quinta série essa foi um destroço

Era muito o alvoroço,

Estudar com professores,


Esperar aula de educação sexual,

Fui expulso da aula de religião,

Fui para quarta avaliação em matemática,

E em ciências, quase reprovei,


Ainda lembro do olhar de severo

De dona Rivete,

Lembro de Cleiton e Primo Valdene...

Edineia, Cileuda, Alessandra e Joesilha,


Sexta série Chaguinha de Viriato me salvou,

Como ave em arapuca,

Fugi de um bagunça nas últimas,

E Chaguinha professor de matemática e ciências

Me salvou da matemática,

Nas ciências me apeguei,


Adivinhe o por quê,

Ali descobri minha inteligência

O livro cheio de imagem,

De bichos e sistemas,

E Chaguinha contava as histórias do Colégio Agrícola de Jundiaí...


Muito obrigado professor,

Na sétima série não esqueço

Aula de geografia,

O mestre José Silva descrevendo as ilhas Polinésias e Melanésias...

Tomava a lição,

Naquela grande inverno,

Para a estrada ia o gado pastorar,

Com o caderno na mão

Aprendia geografia, 

Virando as pedras brancas do Barroso

Em busca de escorpião,

Ai veio o professor Luiz Silva também da geografia,

Tomei gosto pelas boas notas.

Na oitava série o destaque foi Ledimar,


Professora Perpétua e Genilda,

Desculpe mas português não era minha praia...

Lembro da tarde que Drummond morreu,

A professora Genilda falou com muita tristeza.


Essa dificuldade da língua ainda carrego,


Em Martins teve a fabulosa Janildes de biologia,

O fantástico Pedro de matemática,

Oneide e Fátima de Português,

O que dizer da generosidade de drs. Moacir e Luizinho,

Josineide de inglês,

A professora de literatura que me fez pela primeira vez ler o mulato

Dona Marta esta apostou na gente...


Me divertia mesmo era na biblioteca

Ali onde ficava dona Bebeta...

Lia os livros de contos...

Fernando Sabino...


Naquelas noites frias da serra,

Não estava só tinha minhas irmãs

Nossos vizinhos e vizinhas...


Sabe os caminhos foram tortusos,

Mas descobri a caixa de ferramenta de Foucualt muito cedo,

E não teve um dia em minha vida

Que não tivesse um aprendizado,


Agradeço a todos que me ajudaram

E principalmente aqueles que me apoiaram,

Aqueles que vieram e se foram,

Seria impossível descrever...

Dedico tudo que sou a mamãe e a papai.

E fico por aqui.


22. Para além

 Às vezes, a gente fica concentrado,

Fazendo atividades cotidianas,

E ouve sons de coisas humanas,

Som de longe distinto e perturbado,


Parece que ouvimos o eco do tempo,

Parece que nos perdemos no espaço,

A gente sente intensa nossa individualidade,

Sente o quanto somos solitários


Talvez tenha tido essa sensação

No estalado a queimar a maravalha,

No ferver do café com água que borbulha,

No chiado da chuva longe que vem chegando,


Na solidão noturna ouvindo um roncar...


Coisas humanas,

Coisas humanas,

Coisas humanas,


Pulsações da vida,

Que renega até a morte a morte,

Esse medo do desconhecido,

Aprendido desde o ser um bebê.


Agora ouço longe

Roncos de motores,

Ecoando nas ruas,


Longe muito longo vou,

Estou no meio do mato,

Ouvindo roncos de motores

Ecoando nas gargantas das serras,

Ecoando entre as caatingas...


Quem desconhece a cinza

Que se faz ao apagar crepuscular

De cada dia, o cantar da ave maria

Na voz de Gonzaga...


Esse profundo eco

Espelho do tempo,

Eternidade momentânea,

Num ponto é fiado é tecido

O presente e o passado

No ser...


Agora a compreensão que o entendimento está para além da experiência.


21. Paternidade

 O tempo em conta gota

Sendo o sono fracionado 

A noite que antes fora oculta

 agora está sendo desvelada


Entre horas se ouve seu chamado

Um gemido, uma virada, uma tosse

Quando a gente olha e ver 

Tanta beleza condensada


Fica hipnotizado cansado 

E feliz sem perceber a noite

E seus fenômenos revelados


Frágil Belo e delicado

Necessita de atenção,

Precisa de cuidado 

A paternidade é assim revelada.




domingo, 7 de março de 2021

20. Escreve

Um dia esses versos

Serão  empoeirados

Serão esquecidos,

Não desaparecidos 


Terá sempre uma chave 

A quem quiser acessar,

A quem poderia interessar,

São imaturos e pobres


Nem sabem o que expressar,

Falta métrica e rima e emoção,

Amorfos buscam uma classificação,

Querem em um gênero se encontrar


Desejam ser objeto do pensar,

Buscam nas palavras enunciação

Buscam alguma participação

Mas como um um habitat encontrar?


O tempo e o espaço hão de se encarregar

O que vos escreve desconhece a arte

Desconhece os paradigmas e toda parte,

Sabe apenas que o oriente ama a lógica.


Matutar a palavra encaixa-la feito dominó 

Encontrar a beleza na organização rimada

Me trás uma reflexão pouco embasada

Que os espaços são ocos e podem ser um só


Ocupado, limitado ou ilimitado,

Pois agora é a melhor hora 

De quebrar o paradigma

O protocolo, e aqui intuir

Criar uma quimera 


Que seja mesmo independente,

Particular ou universal 

Que seja livre 

E apesar de tudo original


Que tenha fim imediato.

















19. Serrinha do Canto

 Serrinha do canto

Meu amado encanto,

Meu centro espiritual,

Meus referenciais,

Em linhas gerais

Aqui sempre estou,


Serrinha do Canto

Foi onde eu cresci,

Foi onde vivi

Vivi protegido,

Vivi amado,

Papai e mamãe,

Meus irmãos e irmãs,

Nossa casinha,


Serrinha do Canto

Onde tudo começou,

As primeiras brincadeiras,

As primeiras amizades,

As primeiras orações,


Serrinha do Canto

Meu ponto de dormida,

Meu ponto de comida,

Meu sentir plena a vida,


Serrinha do Canto

Os nossos vizinhos,

Nossas famílias escolhida,

Elita e Joãozinho,

Du Carmo e João Lusso,

Chico Neco e Arlete,

Artur e Eliza,

Ribamar e Lena,

Airton e Eliene,

Zezin e Tica,

Dudé e Zé de Geremias

Hélio e Paulinha,

Crejo e Josa,

Loló e Dezu,

Seu Mundinho e Luiz,

Dequinho e Iola,

Totó e Zuleide,

Nelson e Antônia,

Raimundo Vieira e Cacau,

Antonio de Doquinha e Ziná

Diã e Neta,

Joquinha e Nena,

Juvenal e Iraide,

Adelson e Antônia,

Nelope e Luzia,

Livani e Evandro

Chiquinho do Canto e Socorro, 

Bonifácio e Loide,

Tirite e Lenita,

Leci e Laurita,

Maria de Cajumba,

Tio Juice

Zé Vieira,

Miguel e Tereza,

Mané de Branca e 

Dadá e Preta

Dinarte e Doraci

Deo, Nazareno, Gorete, Régia,

Zé Paulo e Elita

Jaíme e Luiza,

Chico de Joana e Daleia,

Minino e Ieda,

Vavá e Elieuza,

Neto e Júlia

Diniz e Loló,

Josimá e Elenita,

Elias e Loló...


Serrinha do canto

Minha alfabetização

Dona Livani e dona Lenita,


Não não podes imaginar

Nossas distintas relações...


As brincadeiras de criança

Fazenda, dinheiro moeda de carteira de cigarro,

Carro de madeira,

Caçada de baladeira

Caçada de cachorro,

Pegar passarim...


No inverno os banhos de cachoeira no porção

No verão o fotebol no porção e no marocão,


A biclicleta barra circular e a escola,

Nossa monareta azul,


A luz elétrica...

A televisão

Show da Xuxa,

Leandro e Leonardo


Serrinha do Canto

Um ponto entre os avós

Chico e Chica

José e Sinhá,

Tio Aldo e Tia Nevinha,


Esse meu imaginário...


Serrinha do Canto

Nossas vacas magras,

Nossos cachorros,

Nossos gatos,


Serrinha do Canto

É meu alicerce

Meu tempo e meu espaço...

Afinal quem somos nós

Parte de onde partimos,

Parte de onde saímos,

Parte do que ouvimos,

Parte do que repetimos

Aquilo que queremos repetir,

Agora é hora de matutar

Maturar,

Digerir e representar...

Serrinha do Canto.

18. Metamorfose cega do sertão

Quem conhece o sertão

Reconhece seus odores

E suas diferentes cores,

Quem conhece o sertão


Odores fortes de plantas,

Odores forte de carniça,

Odores fortes de lixo,

Quem conhece o sertão

Conhece a caatinga cinza,

Conhece o vinho do mourão de aroeira,

E o laranja ou a alva da poeira,


Conhecer o sertão

Faz parte da existência sertaneja,

é gostar de caldo de cana e rapadura

Gostar de melão e melancia,

Gostar de feijão verde,

Gostar de pamonha,


Gostar de pescar no açude,

Gostar de ouvir cantoria...

Gostar de se encontrar em festa de padroeira,

Gostar de vida simples,


Mas o sertão mudou,

Criança não come coalhada só yogurt,

Criança não brinca correndo,

Criança tem tablet até aprende inglês,


O sertão mudou,

Agora a caatinga é cheia de lixo,

Agora a caatinga é pobre de bicho,


Muita coisa mudou no sertão,

Cemitério tem telhado,

Adulto vive no celular,

Ninguém mais quer trabalhar,


Mudaram as tradições...

Quem vê o sertão de hoje,

Nem imagina como foi,


Tudo evolui

Que se adapta sobrevive

Que não se adapta morre,


Corre corre corre...

Foi o sertão que mudou ou foi sertanejo?




17. Morte

 A morte é o não ser,

A morte mata todos,

A morte é o ponto final

Não da frase, mas do texto.

A gente se pergunta 

O que é a morte 

Quando nos cerca,

Quando nos leva 

Alguém muito querido 

Pensamos sem parar

Por que isso aconteceu?

A morte é caixão 

É paixão,

É dor 

É diluição

Desaparecer 

E por fim 

Adeus poesia

Morte.








16. Madrugada

 Na madrugada, canta marrom a corroira 

Canta, cantando vai pulando pra lá e pra cá,

Grita amarelo o bem-te-vi perto de seu ninho,

Canta laranja o sabiá que parece assobiá.

A passarada anuncia um novo dia,

Um lindo dia de março de 2021,

Um novo dia de ação dia de ser.





sábado, 6 de março de 2021

15. Estória

 Numa manhã domingueira,

Segui com mamãe até o sertão,

Fomos de jegue se bem me lembro,

Lá pra casa de vovó Sinhá,

A estrada era apertada,

Com areia alva 

E seixos rolados,

A gente ia caminhando

E o mundo descobrindo,

Cada árvore mais linda,

De certo era inverno,

A água escorria na terra úmida,

Era perfumada a estrada,

Um cheiro de marmeleiro,

Cheiro de velame,

A certo momento num novo lugar,

Ouvia a rolinha cantar,

Fogo-pago, fogo-pago, fogo pago...

E ao voar ouvi o som de chocalho,

Ouvi um canto lá no campo,

Era um canto maravilhoso,

Era o tico-tico do campo.

Chegando na casa de vó,

O mundo era tão amplo

E nós tão pequenos,

Ali se via serras

Eram outras terras,

Serras no nascente,

Serras no norte e no poente,

Só o sul era profundo.

Vovó nos recebeu,

Vovô também estava lá

Vimos a mana Lera

Vimos o primo Magi,

Vimos a alegria de mamãe,

Ao chegar lá se sentia em casa,

A maravaia queimava no fogão de lenha,

Queimava acabando de cozer o feijão,

Tomamos uma coisa mole e alva,

Feita de leite chamada de coalhada,

Rasparam a rapadura

Misturaram e comemos,

O que me chamou atenção

Foi o lugar onde guardava 

Tal manja a coalhada,

Descansada numa forquilha,

Teve a noite dormida

E agora era comida...

Eu criança curiosa,

Achava aquilo esquisito,

Casa de taipa,

Vovó idosa,

Vovô pigarreando,

Entre eles conversando

E eu viajando,

Apenas nas formas,

Da vida nada entendia,

Só vivia,

Foi um dia maravilhoso,

Que volta sempre a minha memória,

Parece uma estória,

Mais um dia foi realidade,

Seria a realidade um sonho?

Penso agora risonho...

A casa,

A paisagem,

Meus avós são estórias e sonhos,

Coisas de minha  memória,

Que compõe esta estória.

E é só.

14. Metafísica poética

 Agora é tempo...

Quase meia noite é

Desperto deitado,

Ouço o som

Que vem lá de fora,

Fora é espaço,

A chuva que chora...

A chuva chorando,

Num átino,

 Vejo o que não mais existe  

Memórias o são essas coisas,

Sei que estou triste 

Sinto é tristeza...

Tristeza é reflexo de memória?

A tristeza tem a mesma matéria da memória?

Então penso e escrevo meu pensamento,

Materializando assim tanto a memória

Quanto a tristeza que existe,

Se é que existe...

Só sei porque me disseram,

Você está triste,

Então esse sentimento 

Ganhou uma palavra na língua portuguesa.

Se fosse inglesa seria Sad 

Ou ainda BLUE...

Esse sentimento existe na natureza?

Duvido que exista fora de mim 

Fora de ti!?

Então o que existe fora de mim 

Precisa ter substância?

Qual é a substância da memória?

E a substância da tristeza?

A tristeza pode ser controlada

Via medicamentosa

Regulando bem os hormônios,

Endorfina...

A contemporaneidade e a ciência

Juntas numa só mataram a melancolia,

 Enterrando as trevas,

Superando os ciclos de Danti.

Parou de chover,

Tudo é silêncio  

Mas ouço um som 

Um som não é só memória,

A prosa me fez esquecer a tristeza

Ou acabei de ficar triste

Não contente...

Ouço um ruído

Parece som de mangangá

Zuummmm

Zummmmm zeeeeeeee.

Aquela abelha gorda 

Sobre a flor papilionácea

Flor violeta da mucuna 

Do olho de boi,

Até na sobra da ignorância

Me encantava a natureza das plantas,

Em suas flores,  frutos e sementes.

Espere perdi o foco 

Ganhei o sono,

Uns versos

Melhor não adiar 

Em casa com criança

Sono é artigo de luxo...

Parou de chover.

Chega me calei.








Bati-bravo Ouratea

 Aqui na universidade UFPB, campus I, Bem do lado do Departamento de sistemática e ecologia tem uma linda árvore com ca de sete metros. Esta...

Gogh

Gogh