Quantas memórias temos imbricadas em nossos lobos cerebrais?
Estas memórias afloram e se desvelam conforme hajam estímulos.
Nesta primeira semana de setembro de 2018, recebi várias notícias e todas tristes, mas uma delas que foi o falecimento de seu Leopoldo me fez recordar a infância pré-adolescente.
Leopoldo era um homem magro, alto e com voz alta. Ele foi casado com Tomásia uma tia de papai, depois de viúvo se casou com Natinha. Para mim, a maior referência dele era ser pai Tica de Zezinho a nossa vizinha.
Naquela época, não havia asfalte e nem carros que transportavam os alunos dos sítios para a Ruinha onde estavam os colégios. Então, cotidianamente, tínhamos que ir a pé, caminhando ou de bicicleta para a escola. Lá em casa tinha uma monareta que era uma bicicleta para criança e ao mudar de escola passei a ir para a escola na Serrinha Grande. Assim, como na escola não havia bicicletário, era necessário um lugar para guardar a bicicleta, de maneira que a casa de seu Leopoldo sempre foi nosso estacionamento. Quase sempre, quando chegava, ele ainda estava em casa. Como de costume, quando ele me via sempre dizia algo que adorava ouvir: - "O rapaz de Chico Raimundo".
Assim a gente deixava a bicicleta lá e ninguém mexia. E essa foi sempre a relação que tive com ele, porém sempre fui atento ao jeito das pessoas e algo que sempre me chamou a atenção em seu Leopoldo energia e alegria que conduzia sua vida simples. Embora tivesse a mesma rotina corriqueiramente que era cuidar dos bichos, arriar o boi na carroça ou colocar a cangalha no burro e partir para o Ribeiro e trabalhar até a tarde. Então desde o momento que saia na rua, brincava com todo mundo. Era muito fácil perceber quando vinha ou ia passando na rua, pois de longe se ouvia seus gritos tangendo a burra ou o boi ou brincando com as pessoas, numa alegria só. Quem já andava na Ruinha nas décadas de 80 e 90 sabe disso, tenho nítidas as lembranças.
Que bom e importante é rememorar, refletir e tentar digerir essas lembranças.
Seu Leopoldo foi um exemplo de um homem, pois viver 99 anos nos dias de hoje só graça divina. Gosto de imaginar, por exemplo quantas gerações ele conheceu desde a infância até seus últimos dias. Desde 1919 esse homem respirou, viveu e presenciou situações naturais e humanas como grande secas e invernadas, a partida da geração seus pais, irmãos e filhos. Neste ano último, talvez as coisas não tivessem muito sentido.
Deveras um bom homem para viver tantos anos e ainda partir com a graça da velhice.
Essa reflexão, até entristece quando penso que poucas pessoas terão essa graça, pois nos dias atuais a violência tem se tornado aguda e tem ceifado muitas pessoas jovens em Serrinha e não atingirão a jamais essa velhice plena.
Mas como podemos ouvir em Chico Buarque que amanhã será um novo dia.
Descanse em PAZ seu Leopoldo.