Saborear
Quando era pequeno, a coisa que mais gostava na casa de minha avô Chiquinha, sem dúvida alguma, era o jardim de sua casa. No jardim tinha um pequeno pomar. Tinha também muitas carnaubeiras, acho uma planta linda. Aquela casa era muito grande, branca, Tinha quatro portas, o normal pra mim, era ter dias, tinha duas a mais; as telhas eram velhas e as linhas tinha cupim, tinha medo, achava inseguro aquilo. Era uma casa tipicamente portuguesa, paredes largas, portas enormes pintadas de azul. A frente ficava para o sul, a cozinha pro norte, no poente tinha uma varanda, que tinha um peituri muito legal, bem menor que o peituri de minha casa, eu me sentia grande ali, gostava dessa sensação de me sentir grande, a varanda era divida parte num peituri e parte num tanque grande. O chão era ensimentado, com uns ornamentos em forma geométrica, não tinha isso em minha casa, tudo que não tinha em minha casa me era estranho. Na sala de entrada, tinham cadeiras de balanço, várias, eu adorava essas cadeiras porque além de dar para balançar ainda eram confortáveis. Tinha uma foto de papai quando ainda era muito moço, sim aquela com um homem diferente pra mim. Papai tirara em São Paulo, nessa foto papai estava de bigode, nunca vi papai de bigode senão naquela moldura. E fotos do casal de avós, tinha também muitas fotos de santos. Na sala tinha um quarto onde guardava coisas de valor, na ante sala tinha um oratório, adorava ver aquele oratório, pintado de azul, enfeitado com umas fitas vermelhas. Dentro do oratório tinha imagens de São Francisco ou santo Antônio, não lembro direito, mas gostava do fato de poder abri-lo. Tinha uma mesa que ninguém nunca usava, era engraçado ter uma janela de que abria na sala de entrada. E uma cristaleira com a foto de minha prima Cristiane que morava em Brasília, adorava ver aquela foto. As cristaleiras eram objetos importantes, onde guadava a loça que só era usada em datas muito especiais. Tinha uma sala onde ficava o fogão a gás e a pratileira com vasilhas de alumínio, tinha que ter um tripé, que também abrigava vasilhas de alumínio, na vasilha de cima, as vezes guardava-se doces. E finalmente a cozinha com um fogão a lenha, pintado com tinta xadrez. No caso do fogão da casa da vovó era enorme, tinha uma gaiola com um golinha muito cantador. Eu queria uma ave como aquela, cantadeira. Gostava do café que ela sempre fazia, era sempre acompanhado por bolacha seca, adorava bolacha seca. Tinha um girau na cozinha e uma esteira. Na cozinha de vó não tinha mesa a comida era colocada sobre uma esteira feita de palha de carnaúba. No almoço punha o feijão com caldo, depois que tomava o caldo, colocava a farinha e mexia com o feijão. Em seguida vinha o arroz e um naco de carne. A sobremesa era rapadura ou doce. Os almoços na casa da vô eram sempre mais cedo. Na casa da vovô o benheiro era de palha de coqueiro, não tinha banheiro de alvenaria. ficava do lado do quintal. Quando chegava gostava de ver um per de pimenta no terreiro da cozinha. Além disso tinha uma horta sem faxina, achava estranho, pois lá em casa se tivesse uma horta sem faxina as galinhas comiam todo o coentro e a alface. Lá não acontecia isso, pois a horta era alta. Fransquim quem colocava água pra regar a horta, as vezes era Francisco. Junto da horta tinha um pé de romã, sempre queria comer uma romã, mas parece que elas nunca amadureciam. Nos terreiros de vovó tinha plantas de cheiro, como boldo e endro, erva doce para quem não conhece, gostava de mascar as folhas de endro, eram docinhas. Vovó tinha uma roseira branca. Nunca esqueci, um dia em que estava na casa dela e umas crianças vieram pedir umas rosas pra enfeitar um anjo, não sabia o que era anjo, eram crianças que morriam. Foi triste descobrir isso. Mas a casa de vovô era doce, tinha uma baixa de cana e vários pés de laranja. Quando era pequeno adorava a casa da vovó, as plantas que tinham lá eram mágica, pois eram doces e não tinham na minha casa.